sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sangue Branco

Minha amiga-irmã, parceira de trabalho e de jornada se ausenta, por ser acometida pela doença do século. Meu chão some, minhas crenças se fortalecem e meus sonhos, nossos sonhos, aguardam seu retorno. Resolvi dedicar esta publicação a ela para compartilhar o quanto a Arte aproxima as pessoas.
Foto: Maurício Silva
Em nosso caso, a nudez que expomos ao mundo nos aproximou. Já escrevera há tempos o poema a ela dedicado “Hoje eu vou tentar falar de Amor”, mas hoje o que eu vou é tentar falar das formas de amar. O que isso tem a ver com meu trabalho? Tudo, já que a arte de ser um modelo observado exigiu de nós dois o exercício constante deste sentimento.

Desde o início a sintonia nos aproximou, primeiramente nos palcos e consequentemente na vida. Conheço, como amigo, cada centímetro de seu corpo, pois a observo enquanto poso e observando-a aprendi a enxergar suas qualidades e defeitos com tão mais respeito que hoje, agora mais do que nunca, tenho plena certeza de que a prática da observação artística da nudez promove a união.

Foto: Adelson Corigliano
Olhando-a vi sua ternura vestida de lindos seios, vi sua leveza imbuída de mãos tênues. Olhando-a vi a perseverança fantasiada de belíssimos e irreproduzíveis olhos azuis. Vi sua maturidade render-se às ingenuidades necessárias para a exposição da alma e assim vi seus lábios calarem-se pelo silêncio inteligente. Olhando-a vi o dom do perdão transfigurado em sua pele, branca e suave como mármore e seda. Foi olhando-a que enxerguei através de seu corpo todo o amor que eu podia dar a quem me olhasse. Vi sua dedicação apoiada em passos lentos, em tempo largo e severo. Vi a criatividade brotar de falas e risos lúdicos e aprendi com eles a esperar o tempo dos outros.

Olhando-a pude ser quem hoje eu sou e só olhando-a com toda a atenção que este trabalho exige, é que pude ser como eu sou.

Através do corpo vemos a beleza, se assim quisermos. Vemos poesia se preparados estivermos. E somente assim enxergaremos o que por dentro há repleto de humanos sentidos. Conduzi-los nessa descoberta também é parte da minha Arte, consequência creio eu. Considerar os detalhes, ponderar e desmistificar os erros, valorizar os acertos e aprender pelas repetições são algumas das formas de amar. E é tão resplendoroso você se deparar com o desencadeador de sua conquista, que o faz olhar para trás e amar cada segundo vivido.
Foto: Maria Pacca

A observação nos dá essa oportunidade de amar. Amar o amigo, amar a si próprio, amar a pessoa que sequer conhece. Nos dá a oportunidade de amar de uma forma distribuída em várias formas, sendo cada uma delas tão significante quanto os detalhes que enxerga no outro. Enxergar minha amiga e convidá-la a viver meu mundo se misturando no dela nos fez sonhar juntos e nos fará crer que esta ausência é somente temporária.
Foto: Maurício Silva


Nos fará acreditar que sua cura e recuperação são tão possíveis quanto as transformações que vimos acontecer nestes anos de observação que propusemos com nossa nudez. E será através de seu olhar, como o azul de todo mar nos faz, que a enxergarei curada e junto de mim para continuarmos nossa jornada mais cheios de amor ainda.







Foto: Adelson Coriglia
Foto: Adelson Coriglia
Leukos é sinônimo da cor da paz, branco; Haima simboliza o sangue que alimenta o corpo. Assim, a origem da palavra desta patologia me faz crer que as experiências que tivemos com os artistas que nos representam inundando seus papéis brancos, nos são exemplos para vencer!


(Peço aos leitores muita energia positiva, muita fé e orações direcionadas à Maria Cristina Ferrantini, que se recupera bravamente hoje de leucemia. Muito obrigado.)
Foto: Adelson Corigliano