(Fotos de Lucas Carduz)
Algo que as vítimas do tabu da nudez talvez desconheçam, são os por quês da nudez ao fazer artístico. Durante quase 13 anos trabalhando pude perceber diversas razões para que esta profissão aconteça com o ser humano nu.
Relaciono aqui algumas delas:
1. Razões técnicas: expor o corpo sem roupas possibilita
ao modelo a manutenção das pausas de forma mais leve, sem a pressão das
costuras, zíperes, botões, dobras e caimentos que costumam marcar e machucar a
pele quando em muito tempo numa mesma posição. Ao artista observador, olhar
para o modelo nu permite que este compreenda o tamanho e as proporções
anatômicas reais, sem ser orientado pelo corte da roupa que o modelo vestiria,
ou então, enganado pelos caimentos e desenhos do traje. Também permite que o
artista acompanhe as linhas do corpo (internas e externas) e a volumetria real
sem a interrupção das linhas e volume da veste. A luz e sombreamento sobre a
pele nua promovem um entendimento pleno sobre suas ações e possíveis
representações bidimensionais ou tridimensionais, ao passo que se o modelo vivo
estivesse vestido, o volume por luz e sombreamento se daria de forma filtrada e
diferente. É preciso entender a ação da luz refletindo diretamente na pele,
para que depois se entenda sua projeção sobre os tecidos.
2. Razões filosóficas: o nu deverá representar a total
disponibilidade do modelo vivo que se propõe à observação[1]. A nudez promove um
enfrentamento deste modelo com seus medos e traumas, também promove o mesmo
enfrentamento naqueles que observam o modelo vivo nu. Pode promover o respeito
às diferenças relacionadas à anatomia, singularidade e comportamentos humanos.
3. Razões históricas: na Grécia antiga (séc V) o nu se
evidenciou como uma forma de arte, não como assunto de arte. O corpo humano
passou a ser estudado e observado nu pelos artistas que objetivavam esculpi-lo,
representando seus ideais de beleza e aperfeiçoamento, denotando a
característica grega de unidade entre corpo e espírito e da crença nos deuses,
como era em sua essência a forma humana da época.
O corpo humano, considerado na arte como um núcleo autônomo, é rico em
associações; e quando considerado esteticamente, elas não se perdem do todo.
[...] O nu pode ser o ponto de partida para a expressão de uma experiência
muito mais vasta e civilizada: é a nossa própria imagem, e permite-nos evocar
tudo aquilo que temos em mente fazer de nós próprios. Acima de tudo, o
tratamento estético do corpo humano pode assumir uma das formas mais
expressivas do nosso desejo de perpetuação. (CLARK, 1956).
Na arte renascentista, com Rafael, Michelangelo,
Alberti e Pisanello, o trabalho de estudo da figura humana continuou sendo
feito a partir de modelos vivos nus, ainda que as obras finais fossem entregues
com as figuras vestidas, as vestimentas eram normalmente postas depois do
estudo feito a partir dos modelos vivos nus. As fases que se seguiram
continuavam desta mesma maneira, se estendendo até os dias de hoje. Algo que
era praticado desde o séc.V, devido ao aproveitamento educacional da observação
de corpos nus, provavelmente não necessitaria mudar por questões morais ou religiosas,
considerando que o entendimento da figura humana e a sua representação se
prejudicariam se feitos a partir de pessoas vestidas.
6. Razões religiosas: por mais que a religião,
principalmente cristã, tentasse esconder as partes sexuais da figura humana na
Idade Média, foi através delas que conseguiram abarcar o repertório imagético
de milhares de fiéis em todo o mundo. Coberta por tecidos ou apenas
sugestionada, a nudez principalmente feminina nas obras artísticas religiosas é
um grande foco de atenção. Segundo o filósofo contemporâneo Giorgio Agambem
(2009, pg.73)[2] a nudez, na nossa
cultura, é inseparável de uma marca teológica. De acordo com a narrativa do
Génesis, Adão e Eva só se dão conta estarem nus após o pecado que cometem.
Embora não estivessem vestidos com traje algum, segundo os teólogos, antes do
pecado eles se vestiam de um traje glorioso, um traje de graça e de luz, que é
perdido após o pecado. Sendo assim, por motivos que confrontem aos religiosos
ou por reafirmações essencialmente humanas da nudez, as razões que levam o
trabalho da observação da figura humana acontecer com os modelos vivos nus
estão intimamente ligadas às relações religiosas da sociedade.
[1] Mesmo que
haja modelos fechados em um ideal de representação de fenótipos.
[2] AGAMBEN, Giorgio. Nudez. Lisboa: Relógio D’Água
Editores, 2010.