sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Os POR QUÊS da Nudez

(Fotos de Lucas Carduz)
Algo que as vítimas do tabu da nudez talvez desconheçam, são os por quês da nudez ao fazer artístico. Durante quase 13 anos trabalhando pude perceber diversas razões para que esta profissão aconteça com o ser humano nu. Relaciono aqui algumas delas:

1. Razões técnicas: expor o corpo sem roupas possibilita ao modelo a manutenção das pausas de forma mais leve, sem a pressão das costuras, zíperes, botões, dobras e caimentos que costumam marcar e machucar a pele quando em muito tempo numa mesma posição. Ao artista observador, olhar para o modelo nu permite que este compreenda o tamanho e as proporções anatômicas reais, sem ser orientado pelo corte da roupa que o modelo vestiria, ou então, enganado pelos caimentos e desenhos do traje. Também permite que o artista acompanhe as linhas do corpo (internas e externas) e a volumetria real sem a interrupção das linhas e volume da veste. A luz e sombreamento sobre a pele nua promovem um entendimento pleno sobre suas ações e possíveis representações bidimensionais ou tridimensionais, ao passo que se o modelo vivo estivesse vestido, o volume por luz e sombreamento se daria de forma filtrada e diferente. É preciso entender a ação da luz refletindo diretamente na pele, para que depois se entenda sua projeção sobre os tecidos.

2. Razões filosóficas: o nu deverá representar a total disponibilidade do modelo vivo que se propõe à observação[1]. A nudez promove um enfrentamento deste modelo com seus medos e traumas, também promove o mesmo enfrentamento naqueles que observam o modelo vivo nu. Pode promover o respeito às diferenças relacionadas à anatomia, singularidade e comportamentos humanos.


3. Razões históricas: na Grécia antiga (séc V) o nu se evidenciou como uma forma de arte, não como assunto de arte. O corpo humano passou a ser estudado e observado nu pelos artistas que objetivavam esculpi-lo, representando seus ideais de beleza e aperfeiçoamento, denotando a característica grega de unidade entre corpo e espírito e da crença nos deuses, como era em sua essência a forma humana da época.

O corpo humano, considerado na arte como um núcleo autônomo, é rico em associações; e quando considerado esteticamente, elas não se perdem do todo. [...] O nu pode ser o ponto de partida para a expressão de uma experiência muito mais vasta e civilizada: é a nossa própria imagem, e permite-nos evocar tudo aquilo que temos em mente fazer de nós próprios. Acima de tudo, o tratamento estético do corpo humano pode assumir uma das formas mais expressivas do nosso desejo de perpetuação. (CLARK, 1956).

Na arte renascentista, com Rafael, Michelangelo, Alberti e Pisanello, o trabalho de estudo da figura humana continuou sendo feito a partir de modelos vivos nus, ainda que as obras finais fossem entregues com as figuras vestidas, as vestimentas eram normalmente postas depois do estudo feito a partir dos modelos vivos nus. As fases que se seguiram continuavam desta mesma maneira, se estendendo até os dias de hoje. Algo que era praticado desde o séc.V, devido ao aproveitamento educacional da observação de corpos nus, provavelmente não necessitaria mudar por questões morais ou religiosas, considerando que o entendimento da figura humana e a sua representação se prejudicariam se feitos a partir de pessoas vestidas.



 4. Razões morais: é importante entender a diferença entre o nu e o pelado, sendo o primeiro uma atitude, um estado e o segundo, um ocorrência. O estado é relacionado na arte pela disponibilidade do modelo em se permitir ser observado para o estudo artístico, a ocorrência é relacionada pela sociedade (o mais comum) como algo incorreto se oferecido sem propósito ou conteúdo. O nu contém uma intenção reflexiva da nudez a respeito dos hábitos impostos por padrões sociais.



 5. Razões políticas: o corpo é considerado por muitos um potencial icônico de lutas políticas, seja em intenções pela paz, direitos humanos, racismos, generofobias ou em quaisquer interesses sociais de divergências. Há grupos de pessoas espalhadas pelo mundo que usam a nudez em protestos político-sociais, como o FEMEM (ativistas feministas). Por representar o que o ser humano é em sua essência, como vem ao mundo e o quanto é modificado por ele, a nudez tem um potente referencial balizador. É capaz de mobilizar centenas de pessoas para o acúmulo de atenção sobre quaisquer mensagens que se pretenda passar. Na arte, a nudez representa, dentre diversas outras coisas, também o lado oposicionista político. As relações entre a política e a nudez artística se estabelecem desde as representações de deuses gregos (séc.V), quando seguiam proporções idealizadas e com referencial de perfeição.



6. Razões religiosas: por mais que a religião, principalmente cristã, tentasse esconder as partes sexuais da figura humana na Idade Média, foi através delas que conseguiram abarcar o repertório imagético de milhares de fiéis em todo o mundo. Coberta por tecidos ou apenas sugestionada, a nudez principalmente feminina nas obras artísticas religiosas é um grande foco de atenção. Segundo o filósofo contemporâneo Giorgio Agambem (2009, pg.73)[2] a nudez, na nossa cultura, é inseparável de uma marca teológica. De acordo com a narrativa do Génesis, Adão e Eva só se dão conta estarem nus após o pecado que cometem. Embora não estivessem vestidos com traje algum, segundo os teólogos, antes do pecado eles se vestiam de um traje glorioso, um traje de graça e de luz, que é perdido após o pecado. Sendo assim, por motivos que confrontem aos religiosos ou por reafirmações essencialmente humanas da nudez, as razões que levam o trabalho da observação da figura humana acontecer com os modelos vivos nus estão intimamente ligadas às relações religiosas da sociedade.



 7. Razões antropológicas: no que se refere ao estudo mais aprofundado do ser humano, através da comparação incontestável que a exposição da nudez promove, podemos ver no outro o que há e o que não há em nós. A complexa nudez que se observa do modelo vivo pode ser a nudez que falta àqueles que o observam. O despojamento que ela representa é o despojamento que a arte pretende (ou possa pretender) refletir no espectador.













[1] Mesmo que haja modelos fechados em um ideal de representação de fenótipos.
[2] AGAMBEN, Giorgio. Nudez. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2010.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

ARTE ERÓTICA OU PORNOGRÁFICA?

(Imagens não creditadas: artista plástico e modelo vivo não divulgados. Levantando informações de autoria.)


Recentemente fui solicitado por um amigo venezuelano a opinar sobre o que ele chamou de arte erótica e de como seria para o modelo vivo se expor em trabalhos que continham esta intenção. Enviou-me pelo celular fotos de aquarelas de figuras humanas masculinas representando o desejo sexual, libido aflorada e ejaculações para ilustrar o que chamava de erotismo.

Observei por vários minutos as imagens antes de começar a gravar uma resposta espontânea. Pensei primeiro sobre os rótulos que damos às coisas e as consequências de categorizarmos tanto a arte. Me questionei se o que entendia por erótico era mesmo aquilo que olhava nas aquarelas. A resposta mais rápida foi a palavra pornografia, que surgiu como um luminoso vermelho piscante. Na sequência comecei a gravar o que chamaria de “áudio inaudível” via whatsapp: quase 15 minutos de falação, que eu mesmo talvez não teria paciência para ouvir se estivesse na correria do dia a dia. Depois de enviá-lo, demorei um dia para voltar a escutar tudo o que tinha dito. Como se fosse uma certificação ou validação de posicionamento sobre um assunto que há tantos anos faz parte de minha vida. Se não fosse a seriedade deste tema e sua relação com conceitos tão profundos de nossa existência, diria que nunca fui tão contraditório com aquela resposta.

Falamos de desejos, de absoluta entrega e exposições sem máscaras, de conexões com o outro quando falamos de libido, quando sentimos tesão. O desejo sexual e a sua consumação podem ser talvez um dos únicos momentos da existência em que o homem se despe totalmente da moral. Creio que é aí que mora o real motivo de tanta preocupação com o desejo sexual alheio, já que entregues, nos sentimos nas mãos do outro, completamente desprotegidos.


Na resposta comecei dizendo que o que ele chamava de arte erótica era pra mim arte pornográfica. Reconhecia a qualidade técnica das aquarelas e do contexto sexual presente nos trabalhos. Do alto de minha certeza, presunção até, discorri sobre mostrar ou não mostrar o sexo rígido nas aquarelas, enfatizando a dispersão da libido do observador de forma absolutamente tão direta. Contextualizei as diferenciações entre erótico e pornográfico, no meu entendimento, dizendo que o primeiro acontece quando o artista apenas sugere sensações de prazer sexual e de tantos outros prazeres e que o segundo é quando o artista mostra a excitação do sexo na sua totalidade.   Acrescentei que quando há a sugestão, dando ao observador não uma, mas inúmeras possibilidades de leitura isso tem pra mim mais valor cultural e artístico do que quando o artista nos dá apenas uma opção de entendimento. Quando olhamos para um desenho ou aquarela que nos faz sentir várias coisas diferentes, que despertam reflexões sobre nós mesmos e até sobre os outros, isso costuma ser para mim algo com mais conteúdo artístico. Isto não acontece quando o propósito do artista, através de sua obra, direciona a minha observação para um único caminho, o sexual neste caso.

Estendendo o assunto para o artista que expõe sua nudez, os modelos vivos, propósito maior deste texto, penso que se nos colocamos diante do(s) observador(es) também com este único intuito, o de despertar desejos sexuais, esta atitude limita o processo criativo de quem nos observa e também a nós mesmos enquanto posamos. A interpretação erótica e sexual da nudez é apenas UMA possibilidade. Existem diversos outros sentimentos e sensações que o nu é capaz de despertar, senão, de conduzir à reflexão sobre alguns deles. Segundo Kenneth Clark (1956), renomado historiador britânico de arte e autor do livro THE NUDE, A STUDY IN IDEAL FORM, o nu como gênero artístico personifica-se através de conceitos relacionados à Harmonia, Energia, Êxtase, Humildade e Piedade (pathos). Depois de mais de 10 anos trabalhando com a exposição da nudez constatei que são inúmeros os conceitos, sentimentos e emoções que ela pode atingir, modificar, provocar, transformar e fazer nascer. O que mais gosto de explicitar são os sentimentos decorrentes do respeito às singularidades humanas, promovidos pela comunicação consciente e abrangente do corpo nu. Já tive a oportunidade de ver grandes transformações humanitárias e muito positivas em pessoas com quem trabalhei. Respeito por diferenças sociais, raciais, anatômicas, de gênero, de orientações sexuais, religiosas e outras mais. Também vivenciei situações em que a exposição de meu corpo nu auxiliou na aceitação e respeito do próprio corpo dos que me observavam.  Acredito que o trabalho consciente e abrangente (artística e corporalmente falando) foi responsável por estas transformações. E sempre que transformamos para melhor os conceitos do outro, também nos modificamos. A transcendência é pra mim um dos principais motivos da Arte.


(Egon Schiele, sketch book, 1916)
Não podemos deixar de considerar que categorizações como estas sobre o erotismo e a pornografia na arte se modificam com o decorrer do tempo, da história. Se fluidificam de acordo com às diferenciações de época, cultura, região, temperatura média, religião e tantos outros fatores. O artista Egon Schiele (1890-1918, Áustria), por exemplo, pintor expressionista hoje mundialmente reconhecido, possui trabalhos extremamente eróticos e outros pornográficos, segundo as considerações austríacas da época que o levaram inclusive para a prisão. Foi condenado por imoralidade, pornografia e corrupção de menores.




(Suzanne Valadon no quadro de Toulouse-Lautrec, 1892)




Suzanne Valadon (1867-1938, Paris), modelo vivo e pintora pós-impressionista que teve uma participação marcante na cena artística parisiense, foi acrobata circense e tornou-se parte integrante das obras de Renoir e Toulouse-Lautrec. Iniciou-se na pintura sob a orientação de Degas e foi a primeira mulher a fazer parte da Sociedade Nacional de Belas Artes. Muitos de seus trabalhos como modelo vivo foram considerados como pornografia na época, o que para nós hoje, podem ser apenas entendidos como eróticos. 

Ton of Finland (1920-1991, Finlândia), artista conhecido por seu trabalho homoerótico, esperou 30 anos para ter sua arte reconhecida. Seu trabalho possui uma representação de detalhes e perfeição de luz e sombreamento, e podemos perceber a proposta política e artística dentro da pornografia.


(Ton of Finland, “Desenhos Sujos, 1950)

O polêmico fotógrafo alemão Wolfgang Tillmans (1968), premiado pela Tate Gallery, é considerado hoje talvez o mais famoso da história da fotografia por revistas importantes sobre fotografia e arte. Assim, também existe muita pornografia na fotografia reconhecida artisticamente pelo mundo e que estão expostas em grandes museus e importantes galerias. Neste caso, sem limites o fotógrafo expõe com sucesso e de maneira diferente tudo aquilo que vivencia e fotografa. A forma como conta as histórias e conecta as imagens de diferentes mundos o faz ser considerado um gênio.
(Registro de Daniela Petrucci em exposição de Wolfgang Tillmans, Tate Gallery, Londres 2017)

Inevitavelmente, ao despirmo-nos diante de uma plateia, entramos em contato com os conceitos alheios sobre o nu. Questionamentos advindos de julgamentos sobre o que é arte ou moralidade costumam preencher salas de aula com alunos iniciantes na observação do modelo vivo. É possível que tais dúvidas também habitem a mente do público em geral, quando este observa pinturas, desenhos, esculturas, fotografias, filmes, performances e espetáculos teatrais feitos a partir do corpo desnudo. Talvez, para rechear nossas considerações sobre “falsa arte e más morais” (CLARK, 1964), o correto seja nos questionarmos por que a representação da libido e do sexo na arte ainda sofre categorizações negativas e causa repúdios tão radicais. As respostas poderão nos levar a reflexões não só sobre desejos escondidos, mas também aos não assumidos, às ações consequentes de possíveis omissões, ao conhecimento das instituições beneficiadas com esta atitude e às consequências negativas decorrentes.  É inegável a força da apresentação do corpo nu. Porém, dizer que um trabalho artístico é equivocado e se trata de falsa arte, é um tanto quanto presunçoso. Posso ter sido muito presunçoso ao dizer ao amigo que as imagens que me enviou pelo celular não se tratavam de arte erótica, consequentemente o mesmo para o trabalho realizado pelo modelo que posou para tais aquarelas. Aliás, dizer o que é e o que não é arte é algo realmente muito arriscado. É necessário algum tempo de reflexão, de considerações, de observação, de repertório artístico e intelectual, de vivência em um meio onde a arte se exprime. Acima de tudo, entender a arte como tal é, no meu entendimento, ser transformado por ela.



Portanto, se alguém se transforma ao ver corpos expelindo sêmen, modelos vivos posando com o sexo excitado, quem sou eu para dizer que isto não se trata de arte? Sou apenas um profissional que preza pela manutenção e reconhecimento do meu ofício, como profissão e como algo que agrega o conhecimento das pessoas. Como tal, não posso deixar de considerar o terreno marginalizado e periférico que abriga esta condução da nudez pornográfica. Não vemos com frequência, conteúdos muito elaborados dentro deste tema, o que não é o caso destas imagens. Mas, seria no mínimo hipócrita de minha parte e da parte de todo modelo vivo profissional não enxergar que são necessárias inúmeras ressignificações do contexto sexual na arte, para realizá-la com alguma acuidade.

Resta-nos saber escolher em que terreno podemos conduzir a aceitação, o conhecimento e a manutenção de nossa profissão. Se optarmos pela exposição pornográfica de nossos corpos, poderemos estar limitando os olhares sobre o que fazemos, conduzindo-os apenas à leitura sexual, como já disse. Ainda que o trabalho tenha este único propósito, precisamos olhar para as consequências negativas disso, que afetam uma profissão que tanto se extingue como algo artístico e que necessita de estudo para ser realizada. Hoje em dia e quase sempre, qualquer pessoa sem o mínimo conhecimento corporal e artístico pode tirar a roupa e permanecer parada para o registro artístico. Porém, o trabalho do modelo vivo vai além desta falta de roupas e imobilidade ilusória. E se pretendemos ser modelos que interagem na criação artística é inevitável que consideremos o todo (a si próprio, ao outro e ao ambiente em que vivemos) e que estudemos para adquirir participação neste processo. Ampliar nossa consciência de corpo e o entendimento sobre a abrangência da exposição da nudez é um diferencial que, possivelmente, nos aproxima da grandeza deste trabalho e das transformações que somos capazes de impulsionar. Limitar a leitura do corpo nu é agir contra suas motivações e possibilidades.

Após ouvir a mensagem enviada a meu amigo, senti vontade de escrever a respeito e de também refletir um pouco mais sobre. Propostas artísticas não merecem se limitar, elas se exteriorizam através do artista para ganhar o mundo metafórico e transformador. O erotismo nos desperta para as buscas e conceituações. A pornografia nos traz a certeza de nossos desejos sexuais. Então, por que responder com certezas anseios tão profundos do homem? Seria a arte feita de certezas?

domingo, 10 de dezembro de 2017

A Profissão Modelo Vivo (I)

Depois de uma grande pausa nas publicações, por motivos relacionados ao falecimento de Cris Ferrantini (o Blog é repleto de imagens nossas e fruto de um projeto que tínhamos em comum) e também por minha total imersão na realização do curso de pós-graduação em Técnica Klauss Vianna na PUC-SP, retomo a divulgação e o compartilhamento de assuntos pertinentes à arte da exposição artística da nudez. Agora, com conteúdos inovados, referências e fundamentações teóricas, procurarei trazer textos que promovam reflexões que contribuam não só com a manutenção desta profissão milenar, mas também com a qualidade da exposição do nu e de sua participação no processo artístico criativo. Espero que gostem!



Foto: Giulia Sperandio
Necessito falar da profissão, legalmente ainda não reconhecida, mas que é realizada seriamente por poucos e que me sustenta há mais de 10 anos. Esta atividade é feita por pessoas e motivos diversos. Há quem se expõe pelo amor à arte e entendimento do seu papel e importância à humanidade. Há quem se expõe pelo tempo ocioso em que se encontra em sua profissão, pelo dinheiro, complemento de orçamento ou desemprego. Há quem se expõe para testar a coragem, para adquirir um desprendimento do corpo e da inibição. Há também aqueles que expõem sua nudez pelo prazer da exibição ligada ao sexo ou voyeurismo. Sem dúvida há quem deseja apenas conhecer o trabalho, tão mitificado pelo tabu da nudez e pela própria história da arte, já que pouco se conhece e se tem registro sobre o trabalho dos modelos observados pelos grandes artistas. Há os próprios artistas, normalmente desenhistas, pintores e escultores, que o fazem pelo conhecimento de causa para provável consequente melhora em seu desempenho na observação do nu. Assim como, há os que se expõem como profissão escolhida e que é também pertencente às artes do corpo. Vemos posando neste ambiente artístico atores, bailarinos, músicos, artistas circenses, pintores, desenhistas, escultores, modelos fotográficos e de passarela, praticantes de yoga, pilates, fisioterapeutas, ginastas, executivos, profissionais do sexo, entre tantos outros.

A diversidade de formação, atuação e intenções que movem o indivíduo a praticar, ou ao menos, iniciar-se na prática de uma atividade tão importante quanto é a do modelo vivo, mostra que a pluralidade é parceira e necessária na realização da arte. Porém, tão necessário quanto, é o aperfeiçoamento deste ofício, que chamarei a partir de agora de profissão. Atualizá-la com um entendimento maior sobre corpo e sua participação no processo criativo do artista, contribui com a sua continuidade. Reverberar este entendimento para os artistas que nos observam, também. Trazer à tona as consequências para além dos frutos técnicos deste estudo é fundamental na instituição desta profissão, que tanto agrega à formação do artista. Atualizar e aperfeiçoar pode, quem sabe, também categorizá-la um dia como uma forma de arte.

Foto: Giulia Sperandio
Geralmente as sessões de observação de modelo vivo acontecem com o corpo do profissional ou iniciante colocado nu ao centro de uma roda de pessoas que se propõem a desenhá-lo, pintá-lo, esculpi-lo ou fotografá-lo. O modelo se coloca numa posição escolhida por ele ou, geralmente, pelos participantes e permanece em pausa enquanto os presentes realizam o registro artístico. As pausas variam de 30 segundos a 20, 30 ou até 40 minutos e as sessões costumam durar de 1 a 4 horas. Neste círculo o modelo posa usualmente de forma passiva, aparentemente imóvel e em silêncio, recebendo os olhares enquanto os demais artistas registram aquilo que conseguem expressar através de suas mídias e conhecimentos técnicos. A interação entre modelo e artistas se limita, na maioria das vezes, aos resultados obtidos através dos desenhos, pinturas, esculturas e fotografias. É um trabalho que costuma estar velado ao conhecimento somente das pessoas que participam da experiência, sendo segregado e muitas vezes escondido pelos próprios profissionais e pessoas que o realizam, sem o entendimento de sua potência e importância.

Faço um paralelo às palavras de Klauss Vianna¹, em relação à repetição da forma na dança, com a exposição do corpo do modelo vivo. Mais do que exibidores de formas anatômicas e proporções oriundas de comparações geométricas, podemos interferir na concepção de corpo daquele que nos investiga atentamente com os olhos. Compartilhamos não apenas nossos traços, espalhados pelas linhas vivas da matéria que nos compõe, mas inclusive nossas referências, história, repertório e intelecto. Além de observar em nós as características físicas, o artista pode também se valer de nossas expressões para adentrar níveis mais acentuados de seu estudo. E através do nu, esta busca maior de conhecimento pode se dar. Ele permite que o observador consiga acompanhar as linhas e volumes inerentes do corpo sem a interrupção de vestes, seguindo a sua linearidade e volumetria sem precisar supor ou imaginar como são as referidas partes, quando estão cobertas pelos tecidos. Isto propicia um desenho (ou demais resultados) mais próximo do que é visto, e mais distante do que costuma ser memorizado. Além disso, o contato visual com a realidade corpórea alheia, no instante da observação, costuma proporcionar também um enfrentamento de significados, questionamentos e comparações que podem contribuir com o estudo.

A dança não significa reproduzir apenas formas. A forma pura é fria, estática, repetitiva. Dançar é muito mais aventurar-se na grande viagem do movimento que é a vida. Nesse sentido, a forma pode comparar-se à morte e o movimento, à vida. (VIANNA, 2005:112)
Foto: Giulia Sperandio
Durante a minha trajetória pessoal como modelo vivo, pude perceber que muitas pessoas se transformam na observação do corpo nu. A observação da nudez com propósitos artísticos interfere no aprendizado artístico, nas ações e pensamentos que derivam deste ato, daqueles que observam e daquele que é observado. Tomado pelos questionamentos sobre o que contribui nesta transformação busquei compreendê-la em mim e naquilo que me faz expor o corpo, para então poder compartilhar este conhecimento de forma fundamentada em um estudo que considera o corpo não só como matéria ou aparato anatômico, mas como uma unidade entre corpo e mente.

É preciso reconhecer a importância da observação do corpo para práticas artísticas, mas através de conceitos que articulem as relações inerentes ao próprio corpo e deste com o ambiente e com o outro, considerando seu potencial de transformação.


Tão instigante quanto é o nu para a arte, pode ser o entendimento do corpo para os modelos vivos que servem de referência aos artistas e estudantes. Porém, quem são estas pessoas que oferecem seus corpos às aulas de arte? O quanto sabem da importância de sua participação neste processo de conhecimento e, principalmente, o quanto conhecem seu próprio corpo?

1.  Coreógrafo e pesquisador brasileiro.



Foto: Giulia Sperandio

Foto: Giulia Sperandio

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sangue Branco

Minha amiga-irmã, parceira de trabalho e de jornada se ausenta, por ser acometida pela doença do século. Meu chão some, minhas crenças se fortalecem e meus sonhos, nossos sonhos, aguardam seu retorno. Resolvi dedicar esta publicação a ela para compartilhar o quanto a Arte aproxima as pessoas.
Foto: Maurício Silva
Em nosso caso, a nudez que expomos ao mundo nos aproximou. Já escrevera há tempos o poema a ela dedicado “Hoje eu vou tentar falar de Amor”, mas hoje o que eu vou é tentar falar das formas de amar. O que isso tem a ver com meu trabalho? Tudo, já que a arte de ser um modelo observado exigiu de nós dois o exercício constante deste sentimento.

Desde o início a sintonia nos aproximou, primeiramente nos palcos e consequentemente na vida. Conheço, como amigo, cada centímetro de seu corpo, pois a observo enquanto poso e observando-a aprendi a enxergar suas qualidades e defeitos com tão mais respeito que hoje, agora mais do que nunca, tenho plena certeza de que a prática da observação artística da nudez promove a união.

Foto: Adelson Corigliano
Olhando-a vi sua ternura vestida de lindos seios, vi sua leveza imbuída de mãos tênues. Olhando-a vi a perseverança fantasiada de belíssimos e irreproduzíveis olhos azuis. Vi sua maturidade render-se às ingenuidades necessárias para a exposição da alma e assim vi seus lábios calarem-se pelo silêncio inteligente. Olhando-a vi o dom do perdão transfigurado em sua pele, branca e suave como mármore e seda. Foi olhando-a que enxerguei através de seu corpo todo o amor que eu podia dar a quem me olhasse. Vi sua dedicação apoiada em passos lentos, em tempo largo e severo. Vi a criatividade brotar de falas e risos lúdicos e aprendi com eles a esperar o tempo dos outros.

Olhando-a pude ser quem hoje eu sou e só olhando-a com toda a atenção que este trabalho exige, é que pude ser como eu sou.

Através do corpo vemos a beleza, se assim quisermos. Vemos poesia se preparados estivermos. E somente assim enxergaremos o que por dentro há repleto de humanos sentidos. Conduzi-los nessa descoberta também é parte da minha Arte, consequência creio eu. Considerar os detalhes, ponderar e desmistificar os erros, valorizar os acertos e aprender pelas repetições são algumas das formas de amar. E é tão resplendoroso você se deparar com o desencadeador de sua conquista, que o faz olhar para trás e amar cada segundo vivido.
Foto: Maria Pacca

A observação nos dá essa oportunidade de amar. Amar o amigo, amar a si próprio, amar a pessoa que sequer conhece. Nos dá a oportunidade de amar de uma forma distribuída em várias formas, sendo cada uma delas tão significante quanto os detalhes que enxerga no outro. Enxergar minha amiga e convidá-la a viver meu mundo se misturando no dela nos fez sonhar juntos e nos fará crer que esta ausência é somente temporária.
Foto: Maurício Silva


Nos fará acreditar que sua cura e recuperação são tão possíveis quanto as transformações que vimos acontecer nestes anos de observação que propusemos com nossa nudez. E será através de seu olhar, como o azul de todo mar nos faz, que a enxergarei curada e junto de mim para continuarmos nossa jornada mais cheios de amor ainda.







Foto: Adelson Coriglia
Foto: Adelson Coriglia
Leukos é sinônimo da cor da paz, branco; Haima simboliza o sangue que alimenta o corpo. Assim, a origem da palavra desta patologia me faz crer que as experiências que tivemos com os artistas que nos representam inundando seus papéis brancos, nos são exemplos para vencer!


(Peço aos leitores muita energia positiva, muita fé e orações direcionadas à Maria Cristina Ferrantini, que se recupera bravamente hoje de leucemia. Muito obrigado.)
Foto: Adelson Corigliano

terça-feira, 29 de julho de 2014

Nudez e Religião

Foto: Daniela Petrucci
Claro que não poderia deixar de abordar este assunto, já que quando proponho a observação da nudez, proponho a observação da nudez da alma. Mesmo não sendo mais tão polêmico, graças a Deus, por ser importante às religiões mantê-lo velado.

Em se tratando de alma, corpo é consequência. Quando me refiro à transparência necessária para a observação de nosso corpo, não falo somente da inexistência da roupa ou da quebra de paradigmas que o nu ocasiona, mas falo também da nudez de espírito que põe diante dos observadores todas as suas falhas, medos, descrenças, desejos e necessidades. Abre aos olhos mais atentos oportunidades para enxergar o quanto somos imperfeitos e o quanto necessitamos olharmos uns aos outros para aprendermos com isso. O resultado deste processo é transformador, tendo como ganhos a constatação da diversidade e o respeito a ela, e está nele a relação da nudez com a religião.

Foi importante para a Igreja relacionar a nudez ao pecado, pois assim conseguia velar a intenção política e econômica da sua existência. Deter às suas “mãos” o controle da vontade sexual dos fiéis era um facilitador, para terem sempre relações monogâmicas autorizadas pela instituição, pelo menos as relações oficiais. Porém, a meu ver, a nudez não promove somente as vontades sexuais, ela estimula a investigação de si mesmo e isso, sem a menor sombra de dúvidas, os religiosos chefes já sabiam. Ou seria um paradoxo termos tanta arte sacra repleta de imagens seminuas?
Foto: Daniela Petrucci

Não, não é. Além de controlar o desejo das pessoas, a religião quis também direcionar este desejo que lhes restava. E não mais o desejo sexual, mas o desejo de entender quem somos, por que somos e para que somos. Se direcionassem esta inquietação a um propósito Divino, teriam o benefício dos resultados que a nudez proporciona, através das obras litúrgicas.

Não estou aqui execrando esta manipulação, longe disso, ela é histórica e já aconteceu. Mas uma das faces também de meu trabalho é pôr em questionamento o real amor que você tem a Deus. Uawwww, risos, mas sim....quando você me olha nu, quero que pense também se tem um amor maior. Quero que questione, através da comparação, que Deus é este que está nos observando, enquanto me observa? Que credo é este que, na maioria das vezes, faz as pessoas achatarem um modelo único de verdade e existência, excluindo aqueles que fogem deste padrão ou aqueles que não se enquadram nele? Quero que entenda que somos cada um de um jeito e que tudo pode ser melhor se aprendermos a conviver as diferenças.

Amar a Deus é particular também, claro, e tenho minha religião e o amor a Ele. Porém não há como negar que a observação do homem e seus feitos conduzem a este amor maior. Conduz ao sentido da vida e à compreensão de que vivemos de uma forma mais feliz quando amamos as pessoas, a família, os amigos, o(a) namorado(a), os animais, a natureza e a quem tudo isso criou...mas quando amamos também as características que nos são distintas, neste universo todo. Por isso, observar o fruto desta criação é sem dúvida um caminho para a compreensão divina. Assim, religião e nudez convivem mesmo que veladamente.

Foto: Daniela Petrucci

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Imobilidade Ilusória

Foto: Lucas Marques
Após alguns anos de trabalho com a imobilidade pude entender algumas coisas que são tão importantes, a meu ver, para nós artistas e não artistas, que faço questão de compartilhá-las aqui no Blog.

Certa vez em aula, uma aluna reclamou ao professor que eu tinha me mexido e por isso seu desenho estava desproporcional (tenho que informar que somente o dela e não os de todo o resto da classe). Sim, claro, o que havia se mexido tinha sido apenas minha barriga, que se movia naturalmente a cada inspiração e expiração. Meu corpo permaneceu dentro das marcações por todos os 20 minutos cronometrados. E olha que eu procuro diminuir a intensidade de minha respiração enquanto poso além de controlar o piscar dos olhos. Porém, naquela situação, pensei: “mas que parte do ‘vivo’ do Modelo Vivo esta aluna não entendeu?”.
Foi então que decidi um dia escrever sobre isto.

Desenho de Filipe Rios

Todos sabem que ficamos horas parados em poses que são observadas e registradas pelos artistas plásticos, arquitetos e fotógrafos. Sabem também que, para que este registro seja o mais preciso possível, é necessário que nos mantenhamos completamente estáticos no espaço.

Esta grande pausa está relacionada à adequação do corpo ao espaço que, enquanto observando, o observador cria relações de direcionamento, estrutura, nivelamento, proporções, volume, luminosidade e sombreamento e principalmente de foco na expressão que o modelo propõe naquele exato momento, tempo e local da pose.
Tudo está relacionado com o ambiente físico, psicológico e intelectual dos que estão presentes numa sessão, e por isso, estritamente vinculado ao direcionamento imóvel do corpo em relação ao espaço.

Foto: Lucas Marques
Sempre digo que a pose é uma consequência de um movimento, uma rápida situação congelada do corpo que se move em direção a um objetivo. Os movimentos nos levam a algum lugar e são disparados por objetivos, sendo assim, mover-se é uma consequência de um estímulo.

No teatro, na dança ou na performance, ambientes em que a movimentação é criada e conduzida para a observação de um público, este movimento é interpretado de acordo com o repertório de quem o vê. Sofre, por consequência, juízo de valor e aceitação ou não das suas proposições de mensagens.

Pensando o corpo do Modelo Vivo, que permanece estático durante a observação das pessoas, como ficam as proposições de movimentação deste corpo? Como se encaixam os objetivos para o fazerem se mover? Como se adequam os lugares/público que deveriam receber este corpo que se movimenta em direção a eles, ou por eles? E como ficam os valores de juízo (agora não mais juízo de valores) quando o público observa este novo corpo?
Desenho de Rafael Moraes
Considerar efêmera a pose de um Modelo Vivo, como uma fração de segundo de um corpo em movimento, assim como também considerar da mesma forma o mover-se na vida (real ou artística), torna possível a identificação de pequenos e grandes gestos realizados na Arte e no dia a dia.
O corpo de hoje, artista ou não, se move com maior conhecimento dos universos que o contemplam. Move-se de uma maneira completamente mais habitada pelo seu propositor. Move-se considerando o corpo do outro, se adaptando aos movimentos do outro e se interferindo com ele, sendo naturalmente dependente de transformações e ressignificações. Os corpos que assim ainda não se movem, estão defasados.
Foto: Osíris Lambert

Há também o movimento biológico constante que este corpo sofre, com diferenciações do corpo desconexo e desinformado. Nele o movimento dos estímulos e sinapses nervosas, o movimento do sangue que percorre e alimenta suas estruturas, o movimento das emoções que alteram suas ações e tantos outros movimentos corporais biológicos, passam a acontecer de forma diferenciada, já que o conhecimento destas características físicas e somáticas dá a elas uma autonomia consciente e real de suas ações.
Quem, hoje dia, não tem consciência dos movimentos biológicos próprios? Com o “boom” do bem-estar saudável, das academias e exercícios físicos, da busca quase obsessiva pelo corpo ideal, quem não se informa sobre seu metabolismo corporal? Está aí outro benefício do nosso “oráculo virtual” Google. Ainda que este corpo continue se movimentando biologicamente nos momentos que independem de sua vontade, o conhecimento sobre eles exerce uma diferenciação.
Desenho de Gui Blanco
Um corpo que propõe constantemente novos discursos ativando mediações, como é o corpo de um Modelo Vivo, com certeza se move diferentemente no meio em que vive.

Seu movimento deixa de ser a consequência de um estímulo e passa a ser o próprio estímulo, que se move com pequenas pausas em direção a uma transformação, e não mais a um “lugar”.
No corpo não há o que se torne imóvel e sendo assim qualquer iniciativa de imobilidade, para a observação do espectador, se torna ilusória e também passível de alterações.
Foto: Lucas Marques

Para este corpo que é observado em pausas, onde a interferência dele sobre o universo é fundamental, o entendimento sobre imobilidade é altamente modificado. Nos dias atuais, sequer aqueles com problemas de mobilidade deixam de se mover. Mover-se é o objeto de busca da manutenção da vida.

Há sem dúvida a necessidade de pararmos muitas vezes para compreendermos e estudarmos coisas relacionadas ao viver, porém estas pausas já não são também mais as mesmas. Quando se para num determinado momento, a continuidade dos movimentos internos é cada vez mais intensa e verdadeira. E quando um artista, por exemplo, observa o corpo ilusoriamente imóvel de seu modelo como “objeto” de estudo, a ilusão causada de que este corpo está parado é determinante e estimulante na proposição de sua arte.
Ao meu entendimento, o corpo modelo observado pode estar num estado ilusoriamente imóvel de forma ativa, quando continua propondo mediações, e de forma passiva, quando ainda propondo mediações passa apenas a não demostrar suas alterações ao observador. No trabalho realizado pelo observado, quando parado e objeto de observação, a imobilidade não acontece.

Especificamente falando sobre o Modelo Vivo, que se coloca “imóvel” diante de um artista, o que está em movimento antes da pose alcançada é a sua mente, seu corpo, suas sensações e emoções, suas expressões, a energia reverberada por seu corpo no espaço e retornada a ele, além da própria observação da pessoa que espreita seu momento de “imobilidade” para então registrá-la através de sua mídia. Movem-se também as expectativas do artista sobre o corpo do modelo.
Desenho Filipe Rios

Quando este modelo se coloca numa pose, o corpo ainda que imóvel, continua biologicamente se movimentando e todos os outros fatores internos e externos, acima mencionados, continuam se movendo junto. Talvez o único fator que realmente se imobilize numa pose é a expressão, quando ela existe, por que deve ser mantida durante aquela pausa.

Por isso a imobilidade tem que ser também compreendida e considerada de uma forma mais complexa e dinâmica pelos artistas que observam o corpo do modelo, para que então possam, com maior ciência, produzir sua arte cheia de movimentos e propagações constantes.
Foto: Lucas Marques
Isso é importante não só pra quem realiza alguma atividade artística, como desenhar, fotografar e também interpretar personagens no palco ou dançar, mas para qualquer pessoa que tenha ou necessite o mínimo de sensibilidade para tratar com o outro, de relações profissionais às pessoais.

Pois se você tem consciência de que no outro, além de você, nada está parado ou estático e que sentimentos, intenções, conhecimento, vontades, estão sempre se movendo e evoluindo juntamente com a própria necessidade que o corpo tem de se mover, talvez então comece a compreender e respeitar as diferenças que estão por aí, aceitar que ninguém é igual a ninguém e que os pensamentos e verdades do outro não são os seus e nunca poderão ser, pois cada um tem o seu movimento particular e peculiar, em forma e velocidade distintas, e também que nada no universo para, pois as coisas, independentes de nós, têm seu movimento próprio. E necessitamos conviver com todos eles.

Foto: Eva Bella

É por isso que não há tempo para espera de objetivos, de presentes “caídos do céu”, de oportunidades mirabolantes, de momentos propícios para a verdade.

Não há espaço para estagnações de atitudes, de pensamentos, de conceitos. Não há segundos para pré-conceitos, superficialidades e coisas aprendidas de forma errada. Por que o movimento acontece, ainda que não pareça.

Não há pose inteiramente imóvel, mesmo que o corpo pareça imóvel. Não há imobilidade total. Só há pausas, curtas ou longas, para que possamos rever nossos modos e conceitos e aprender com nossas observações. E é para isso também que ali estamos nós Modelos Vivos.

(Fotos e desenhos da série de Performances METAMORPHOSIS Corpo em Transformações, realizada no Centro Cultural São Paulo e SESC, de Dezembro de 2013 a Março de 2014 - assista aos vídeos no YouTube.)