sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sangue Branco

Minha amiga-irmã, parceira de trabalho e de jornada se ausenta, por ser acometida pela doença do século. Meu chão some, minhas crenças se fortalecem e meus sonhos, nossos sonhos, aguardam seu retorno. Resolvi dedicar esta publicação a ela para compartilhar o quanto a Arte aproxima as pessoas.
Foto: Maurício Silva
Em nosso caso, a nudez que expomos ao mundo nos aproximou. Já escrevera há tempos o poema a ela dedicado “Hoje eu vou tentar falar de Amor”, mas hoje o que eu vou é tentar falar das formas de amar. O que isso tem a ver com meu trabalho? Tudo, já que a arte de ser um modelo observado exigiu de nós dois o exercício constante deste sentimento.

Desde o início a sintonia nos aproximou, primeiramente nos palcos e consequentemente na vida. Conheço, como amigo, cada centímetro de seu corpo, pois a observo enquanto poso e observando-a aprendi a enxergar suas qualidades e defeitos com tão mais respeito que hoje, agora mais do que nunca, tenho plena certeza de que a prática da observação artística da nudez promove a união.

Foto: Adelson Corigliano
Olhando-a vi sua ternura vestida de lindos seios, vi sua leveza imbuída de mãos tênues. Olhando-a vi a perseverança fantasiada de belíssimos e irreproduzíveis olhos azuis. Vi sua maturidade render-se às ingenuidades necessárias para a exposição da alma e assim vi seus lábios calarem-se pelo silêncio inteligente. Olhando-a vi o dom do perdão transfigurado em sua pele, branca e suave como mármore e seda. Foi olhando-a que enxerguei através de seu corpo todo o amor que eu podia dar a quem me olhasse. Vi sua dedicação apoiada em passos lentos, em tempo largo e severo. Vi a criatividade brotar de falas e risos lúdicos e aprendi com eles a esperar o tempo dos outros.

Olhando-a pude ser quem hoje eu sou e só olhando-a com toda a atenção que este trabalho exige, é que pude ser como eu sou.

Através do corpo vemos a beleza, se assim quisermos. Vemos poesia se preparados estivermos. E somente assim enxergaremos o que por dentro há repleto de humanos sentidos. Conduzi-los nessa descoberta também é parte da minha Arte, consequência creio eu. Considerar os detalhes, ponderar e desmistificar os erros, valorizar os acertos e aprender pelas repetições são algumas das formas de amar. E é tão resplendoroso você se deparar com o desencadeador de sua conquista, que o faz olhar para trás e amar cada segundo vivido.
Foto: Maria Pacca

A observação nos dá essa oportunidade de amar. Amar o amigo, amar a si próprio, amar a pessoa que sequer conhece. Nos dá a oportunidade de amar de uma forma distribuída em várias formas, sendo cada uma delas tão significante quanto os detalhes que enxerga no outro. Enxergar minha amiga e convidá-la a viver meu mundo se misturando no dela nos fez sonhar juntos e nos fará crer que esta ausência é somente temporária.
Foto: Maurício Silva


Nos fará acreditar que sua cura e recuperação são tão possíveis quanto as transformações que vimos acontecer nestes anos de observação que propusemos com nossa nudez. E será através de seu olhar, como o azul de todo mar nos faz, que a enxergarei curada e junto de mim para continuarmos nossa jornada mais cheios de amor ainda.







Foto: Adelson Coriglia
Foto: Adelson Coriglia
Leukos é sinônimo da cor da paz, branco; Haima simboliza o sangue que alimenta o corpo. Assim, a origem da palavra desta patologia me faz crer que as experiências que tivemos com os artistas que nos representam inundando seus papéis brancos, nos são exemplos para vencer!


(Peço aos leitores muita energia positiva, muita fé e orações direcionadas à Maria Cristina Ferrantini, que se recupera bravamente hoje de leucemia. Muito obrigado.)
Foto: Adelson Corigliano

terça-feira, 29 de julho de 2014

Nudez e Religião

Foto: Daniela Petrucci
Claro que não poderia deixar de abordar este assunto, já que quando proponho a observação da nudez, proponho a observação da nudez da alma. Mesmo não sendo mais tão polêmico, graças a Deus, por ser importante às religiões mantê-lo velado.

Em se tratando de alma, corpo é consequência. Quando me refiro à transparência necessária para a observação de nosso corpo, não falo somente da inexistência da roupa ou da quebra de paradigmas que o nu ocasiona, mas falo também da nudez de espírito que põe diante dos observadores todas as suas falhas, medos, descrenças, desejos e necessidades. Abre aos olhos mais atentos oportunidades para enxergar o quanto somos imperfeitos e o quanto necessitamos olharmos uns aos outros para aprendermos com isso. O resultado deste processo é transformador, tendo como ganhos a constatação da diversidade e o respeito a ela, e está nele a relação da nudez com a religião.

Foi importante para a Igreja relacionar a nudez ao pecado, pois assim conseguia velar a intenção política e econômica da sua existência. Deter às suas “mãos” o controle da vontade sexual dos fiéis era um facilitador, para terem sempre relações monogâmicas autorizadas pela instituição, pelo menos as relações oficiais. Porém, a meu ver, a nudez não promove somente as vontades sexuais, ela estimula a investigação de si mesmo e isso, sem a menor sombra de dúvidas, os religiosos chefes já sabiam. Ou seria um paradoxo termos tanta arte sacra repleta de imagens seminuas?
Foto: Daniela Petrucci

Não, não é. Além de controlar o desejo das pessoas, a religião quis também direcionar este desejo que lhes restava. E não mais o desejo sexual, mas o desejo de entender quem somos, por que somos e para que somos. Se direcionassem esta inquietação a um propósito Divino, teriam o benefício dos resultados que a nudez proporciona, através das obras litúrgicas.

Não estou aqui execrando esta manipulação, longe disso, ela é histórica e já aconteceu. Mas uma das faces também de meu trabalho é pôr em questionamento o real amor que você tem a Deus. Uawwww, risos, mas sim....quando você me olha nu, quero que pense também se tem um amor maior. Quero que questione, através da comparação, que Deus é este que está nos observando, enquanto me observa? Que credo é este que, na maioria das vezes, faz as pessoas achatarem um modelo único de verdade e existência, excluindo aqueles que fogem deste padrão ou aqueles que não se enquadram nele? Quero que entenda que somos cada um de um jeito e que tudo pode ser melhor se aprendermos a conviver as diferenças.

Amar a Deus é particular também, claro, e tenho minha religião e o amor a Ele. Porém não há como negar que a observação do homem e seus feitos conduzem a este amor maior. Conduz ao sentido da vida e à compreensão de que vivemos de uma forma mais feliz quando amamos as pessoas, a família, os amigos, o(a) namorado(a), os animais, a natureza e a quem tudo isso criou...mas quando amamos também as características que nos são distintas, neste universo todo. Por isso, observar o fruto desta criação é sem dúvida um caminho para a compreensão divina. Assim, religião e nudez convivem mesmo que veladamente.

Foto: Daniela Petrucci

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Imobilidade Ilusória

Foto: Lucas Marques
Após alguns anos de trabalho com a imobilidade pude entender algumas coisas que são tão importantes, a meu ver, para nós artistas e não artistas, que faço questão de compartilhá-las aqui no Blog.

Certa vez em aula, uma aluna reclamou ao professor que eu tinha me mexido e por isso seu desenho estava desproporcional (tenho que informar que somente o dela e não os de todo o resto da classe). Sim, claro, o que havia se mexido tinha sido apenas minha barriga, que se movia naturalmente a cada inspiração e expiração. Meu corpo permaneceu dentro das marcações por todos os 20 minutos cronometrados. E olha que eu procuro diminuir a intensidade de minha respiração enquanto poso além de controlar o piscar dos olhos. Porém, naquela situação, pensei: “mas que parte do ‘vivo’ do Modelo Vivo esta aluna não entendeu?”.
Foi então que decidi um dia escrever sobre isto.

Desenho de Filipe Rios

Todos sabem que ficamos horas parados em poses que são observadas e registradas pelos artistas plásticos, arquitetos e fotógrafos. Sabem também que, para que este registro seja o mais preciso possível, é necessário que nos mantenhamos completamente estáticos no espaço.

Esta grande pausa está relacionada à adequação do corpo ao espaço que, enquanto observando, o observador cria relações de direcionamento, estrutura, nivelamento, proporções, volume, luminosidade e sombreamento e principalmente de foco na expressão que o modelo propõe naquele exato momento, tempo e local da pose.
Tudo está relacionado com o ambiente físico, psicológico e intelectual dos que estão presentes numa sessão, e por isso, estritamente vinculado ao direcionamento imóvel do corpo em relação ao espaço.

Foto: Lucas Marques
Sempre digo que a pose é uma consequência de um movimento, uma rápida situação congelada do corpo que se move em direção a um objetivo. Os movimentos nos levam a algum lugar e são disparados por objetivos, sendo assim, mover-se é uma consequência de um estímulo.

No teatro, na dança ou na performance, ambientes em que a movimentação é criada e conduzida para a observação de um público, este movimento é interpretado de acordo com o repertório de quem o vê. Sofre, por consequência, juízo de valor e aceitação ou não das suas proposições de mensagens.

Pensando o corpo do Modelo Vivo, que permanece estático durante a observação das pessoas, como ficam as proposições de movimentação deste corpo? Como se encaixam os objetivos para o fazerem se mover? Como se adequam os lugares/público que deveriam receber este corpo que se movimenta em direção a eles, ou por eles? E como ficam os valores de juízo (agora não mais juízo de valores) quando o público observa este novo corpo?
Desenho de Rafael Moraes
Considerar efêmera a pose de um Modelo Vivo, como uma fração de segundo de um corpo em movimento, assim como também considerar da mesma forma o mover-se na vida (real ou artística), torna possível a identificação de pequenos e grandes gestos realizados na Arte e no dia a dia.
O corpo de hoje, artista ou não, se move com maior conhecimento dos universos que o contemplam. Move-se de uma maneira completamente mais habitada pelo seu propositor. Move-se considerando o corpo do outro, se adaptando aos movimentos do outro e se interferindo com ele, sendo naturalmente dependente de transformações e ressignificações. Os corpos que assim ainda não se movem, estão defasados.
Foto: Osíris Lambert

Há também o movimento biológico constante que este corpo sofre, com diferenciações do corpo desconexo e desinformado. Nele o movimento dos estímulos e sinapses nervosas, o movimento do sangue que percorre e alimenta suas estruturas, o movimento das emoções que alteram suas ações e tantos outros movimentos corporais biológicos, passam a acontecer de forma diferenciada, já que o conhecimento destas características físicas e somáticas dá a elas uma autonomia consciente e real de suas ações.
Quem, hoje dia, não tem consciência dos movimentos biológicos próprios? Com o “boom” do bem-estar saudável, das academias e exercícios físicos, da busca quase obsessiva pelo corpo ideal, quem não se informa sobre seu metabolismo corporal? Está aí outro benefício do nosso “oráculo virtual” Google. Ainda que este corpo continue se movimentando biologicamente nos momentos que independem de sua vontade, o conhecimento sobre eles exerce uma diferenciação.
Desenho de Gui Blanco
Um corpo que propõe constantemente novos discursos ativando mediações, como é o corpo de um Modelo Vivo, com certeza se move diferentemente no meio em que vive.

Seu movimento deixa de ser a consequência de um estímulo e passa a ser o próprio estímulo, que se move com pequenas pausas em direção a uma transformação, e não mais a um “lugar”.
No corpo não há o que se torne imóvel e sendo assim qualquer iniciativa de imobilidade, para a observação do espectador, se torna ilusória e também passível de alterações.
Foto: Lucas Marques

Para este corpo que é observado em pausas, onde a interferência dele sobre o universo é fundamental, o entendimento sobre imobilidade é altamente modificado. Nos dias atuais, sequer aqueles com problemas de mobilidade deixam de se mover. Mover-se é o objeto de busca da manutenção da vida.

Há sem dúvida a necessidade de pararmos muitas vezes para compreendermos e estudarmos coisas relacionadas ao viver, porém estas pausas já não são também mais as mesmas. Quando se para num determinado momento, a continuidade dos movimentos internos é cada vez mais intensa e verdadeira. E quando um artista, por exemplo, observa o corpo ilusoriamente imóvel de seu modelo como “objeto” de estudo, a ilusão causada de que este corpo está parado é determinante e estimulante na proposição de sua arte.
Ao meu entendimento, o corpo modelo observado pode estar num estado ilusoriamente imóvel de forma ativa, quando continua propondo mediações, e de forma passiva, quando ainda propondo mediações passa apenas a não demostrar suas alterações ao observador. No trabalho realizado pelo observado, quando parado e objeto de observação, a imobilidade não acontece.

Especificamente falando sobre o Modelo Vivo, que se coloca “imóvel” diante de um artista, o que está em movimento antes da pose alcançada é a sua mente, seu corpo, suas sensações e emoções, suas expressões, a energia reverberada por seu corpo no espaço e retornada a ele, além da própria observação da pessoa que espreita seu momento de “imobilidade” para então registrá-la através de sua mídia. Movem-se também as expectativas do artista sobre o corpo do modelo.
Desenho Filipe Rios

Quando este modelo se coloca numa pose, o corpo ainda que imóvel, continua biologicamente se movimentando e todos os outros fatores internos e externos, acima mencionados, continuam se movendo junto. Talvez o único fator que realmente se imobilize numa pose é a expressão, quando ela existe, por que deve ser mantida durante aquela pausa.

Por isso a imobilidade tem que ser também compreendida e considerada de uma forma mais complexa e dinâmica pelos artistas que observam o corpo do modelo, para que então possam, com maior ciência, produzir sua arte cheia de movimentos e propagações constantes.
Foto: Lucas Marques
Isso é importante não só pra quem realiza alguma atividade artística, como desenhar, fotografar e também interpretar personagens no palco ou dançar, mas para qualquer pessoa que tenha ou necessite o mínimo de sensibilidade para tratar com o outro, de relações profissionais às pessoais.

Pois se você tem consciência de que no outro, além de você, nada está parado ou estático e que sentimentos, intenções, conhecimento, vontades, estão sempre se movendo e evoluindo juntamente com a própria necessidade que o corpo tem de se mover, talvez então comece a compreender e respeitar as diferenças que estão por aí, aceitar que ninguém é igual a ninguém e que os pensamentos e verdades do outro não são os seus e nunca poderão ser, pois cada um tem o seu movimento particular e peculiar, em forma e velocidade distintas, e também que nada no universo para, pois as coisas, independentes de nós, têm seu movimento próprio. E necessitamos conviver com todos eles.

Foto: Eva Bella

É por isso que não há tempo para espera de objetivos, de presentes “caídos do céu”, de oportunidades mirabolantes, de momentos propícios para a verdade.

Não há espaço para estagnações de atitudes, de pensamentos, de conceitos. Não há segundos para pré-conceitos, superficialidades e coisas aprendidas de forma errada. Por que o movimento acontece, ainda que não pareça.

Não há pose inteiramente imóvel, mesmo que o corpo pareça imóvel. Não há imobilidade total. Só há pausas, curtas ou longas, para que possamos rever nossos modos e conceitos e aprender com nossas observações. E é para isso também que ali estamos nós Modelos Vivos.

(Fotos e desenhos da série de Performances METAMORPHOSIS Corpo em Transformações, realizada no Centro Cultural São Paulo e SESC, de Dezembro de 2013 a Março de 2014 - assista aos vídeos no YouTube.)

sábado, 5 de julho de 2014

Erotismo

(Clique aqui para aumentar seu prazer em ler, deixe tocando enquanto segue.)
“Nenhum nu, ainda que abstrato, deve deixar de despertar no espectador algum vestígio de sentimento erótico, ainda que seja uma leve sombra – e se ele não o faz, então trata-se de arte ruim e de falsas morais.” (Kenneth Clark, Historiador de Arte)
Foto: Maria Pacca, aula sobre Arte & Erotismo
Erotismo. Quem nunca se envolveu por esta representação do desejo, sexual ou não, que pare agora a leitura. Sim, eu vou falar dele já que a nudez, por um dos caminhos que direciona, sempre desperta a excitação. Sua derivação da palavra grega Eros, cuja definição "atração para a perfeição e integralidade" prefiro mais, nos remete na mesma hora ao mundo do impossível, idealizado, inatingível, perfeito e inteiro, e por isso, a tão forte relação com a nudez e com o sexo. Convenhamos, gozar é finalmente acabar com o desejo, é concretizar tudo aquilo que esperamos e aspiramos do/no corpo do outro. Sendo assim o sexo é fato consumado. Já o erotismo, humm....o erotismo....risos....pode ser tudo o que vem antes, sem a menor sombra de dúvida, ele é o recheio deste bolo que se feito com qualidade, com certeza propiciará o deleite dos dignos advindos do próprio deus grego Eros.
Foto: Maria Pacca

Ele se manifesta através da sexualidade, sim, ok, mas que tal transpormos este prazer (ou pelo menos a busca dele) para outras áreas do dia a dia? Como por exemplo, com a mesma sensação de prazer, realizar o trabalho que ama, com o mesmo brilho, com a mesma gana, sim, com o mesmo tesão. Ou então, com a mesma vontade despertada por ele, passional e também física (por que não), dizer que ama, demonstrar essa ânsia, mostrar que está apaixonado, presentear alguém, passear num parque olhando a natureza com o mesmo tesão de vida que tem quando treme pelo sexo ideal.

É simples, tem que transpor as sensações físicas que o corpo demonstra enquanto é sexualmente desperto, quando, por exemplo, olha pra uma imagem que lhe instigue eroticamente, para as demais vontades da vida. Vocês devem estar pensando que sou um lascivo e que ando por aí olhando as árvores e me excitando, mas não.
Foto: Gabriella Teodozio

Falo é da delícia que é viver, fazer o que gosta, provocar o bem e a alegria nas pessoas, e que a atração faz parte desse prazer. O erótico a que me refiro não é somente aquele que lhe instigará transar, mas principalmente aquele que lhe justificará viver. Experimente hoje cozinhar, que seja, com o mesmo tesão com que deseja alguém e sirva à esposa, aos amigos, ao namorado, enfim, entenderá o que digo.

É neste ponto, desejo versus vida, que o erotismo converge na Arte. Nela, ele lhe faz pensar desejosamente e, também por isso, tão necessário. Quando desejamos, a busca é consequente e fazer, o resultado. Quando o mestre historiador inglês, sir Clark, pontua como ruim a arte que não desperta este sentimento é provavelmente deste arbítrio e de todos os prazeres que ele pressupõe a que ele se refere. E o nu é o que faz isso, o nu tem esta propriedade, graças a Deus (simmmmm a Deus)!!!!

Há no erótico um monte de cobiça, sem dúvida, porém desvincule o objeto sexual dela e encontrará tantas outras formas de prazer. Mas é claro que, sem hipocrisia nenhuma, essa concupiscência da carne, essa lascívia, faz parte e, por favor, que continue sempre existindo; e ainda espero pelo dia em que nossa visão sobre o sexo deixe de ser este monstro arguidor, meticulosamente instaurado pela igreja. E o engraçado é que, paradoxalmente instaurado né?! É na Arte religiosa que moram as obras mais eróticas da história, pesquisem no Google pra vocês verem. Será mesmo só uma coincidência?
Foto: Gabriella Teodozio
Foto: Gabriella Teodozio
Então existe sim o teor erótico no trabalho que realizo e creio também que no dos demais modelos. Lido com ele da mesma forma com que proponho esta reflexão: com PRAZER! Muitos me perguntam o que eu faço quando percebo alguém me desejando enquanto me desenha.

Poxa, o que mais posso fazer senão ficar feliz? Isso me mostra que estou fazendo meu trabalho direito. A partir daí reverto esta felicidade em estímulos de novas significações e procuro dizer, de um jeito improvisado, que usem este desejo em seus traços, em suas pinceladas, depositem esse desejo nos movimentos de seus braços e todo o corpo enquanto me representam, que transponham a vontade de transar comigo para a argila ou para a ocular de sua máquina fotográfica, que com certeza o resultado será surpreendente. Volto a dizer, quando a gente faz as coisas com tesão o resultado é muito melhor.

Foto: Gabriella Teodozio
Foto: Maria Pacca














Por isso sempre digo que os artistas serão sempre aqueles que estarão mais à frente nas reflexões humanas, pois trabalhamos e produzimos aquilo que possibilita o mundo conhecer outras, novas e infinitas realidades. “Bora” gozar a vida?

Foto: Gabriella Teodozio













*** O curso de Arte & Erotismo é ministrado pela artista plástica Maria Pacca e tem a minha contribuição. Para mais informações, por favor, direcionem e-mail para julianohollivier@ig.com.br.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Fadado ao Término?

Tenho notado nos últimos anos que nosso trabalho vem diminuindo lentamente. Vejo as escolas de desenho, os ateliês particulares e as universidades de artes plásticas, arquitetura, fotografia, design e moda, nos contratando cada vez menos em suas aulas. Temos participado, ano a ano, de forma mais rarefeita no cenário educacional da arte. Sobre a importância de nossa participação como modelos vivos na educação e ensino artísticos, creio que preciso publicar um texto dedicado a este assunto, porém agora me devo ater somente ao fato de que estamos trabalhando cada vez menos, o que me instiga a escrever a respeito para levantar questionamentos sobre os motivos desta baixa. E não serei hipócrita em dizer que apenas a educação artística e o próprio fazer artístico estão perdendo qualidade, mas também tenho que dizer que o pouco trabalho que acontece, quando acontece, vejo sendo feito “às coxas”.

Há uma diminuição notável das oportunidades de trabalho para o modelo vivo nos dias de hoje. Muitas questões enchem minha cabeça:  O que está deixando de existir? O interesse pela arte? Não acredito, pois vejo todos os anos novas turmas cheias de alunos abarrotando as faculdades públicas e privadas; vejo também abarrotadas as oficinas gratuitas de desenho com modelo vivo. Falta de verba nas instituições, para oferecerem mais qualidade ao ensino? Também não, pois as mensalidades estão sempre cada vez mais astronômicas e, repetindo, sempre mais e mais alunos ingressando os cursos. Falta de conhecimento dos proponentes, coordenadores, diretores, professores e reitores dos cursos de arte, no que se refere à importância da observação da figura humana nas aulas de desenho? Talvez.

Vamos aos fatos. Em 2009, 2010 e 2011 cheguei a trabalhar como modelo vivo, por exemplo, numa universidade particular de São Paulo, de três a quatro vezes por semana durante todo o ano. Éramos em média oito modelos que assinávamos a grade mensal de aulas práticas nesta faculdade. Requisitavam-nos para posar nas aulas dos cursos de arquitetura, artes plásticas e moda através de uma distribuição prévia feita pelos professores, que nos contratavam sempre com muita antecedência, devido a pouca quantidade de profissionais. Não queriam “correr o risco” de não nos terem em suas aulas, caso fôssemos chamados por outras universidades. Existia mais oferta de trabalho do que pessoas trabalhando na área. Em 2014, até a data de hoje, trabalhei nesta mesma universidade por apenas três vezes. E assim foi com demais colegas que, também como eu, desempenhavam um trabalho assíduo na instituição.

Nos anos de 2010, 11 e 12, também exercia meu ofício em uma universidade pública como contratado sempre por quatro meses no primeiro semestre e quatro meses no segundo, com total máximo de horas/aula permitidas dentro da instituição. Em 2013 a prestação de serviços se reduziu para apenas o segundo semestre e em 2014, já soube que acontecerá por apenas quinze dias e não mais por quatro meses. Noutra faculdade particular de Moda em São Paulo, já fui chamado para posar nos anos de 2011 e 2012 em aulas fixas que aconteciam duas vezes por semana durante o ano todo e que hoje se resumiram a apenas uma única aula optativa em todo o ano letivo. Estas aulas todas consideravam participação, frequência, valiam nota e ao final dos períodos aconteciam provas e avaliações. Os alunos que não aprendiam a desenhar a figura humana repetiam o ano. Hoje em dia, as poucas aulas que restam, estão se tornando “optativas”.


Participei de 2009 a 2013 de um grande evento de desenho e fotografia do corpo num renomado museu de arte de São Paulo e acabo de receber a mensagem negativa da continuidade do programa para este ano. O que aconteceu?  O que está acontecendo com nossas aulas tão importantes da observação do corpo e das infinitas proposições que oferecemos através dele?

Creio verdadeiramente que é um misto de coisas. Não se trata só do não entendimento de nossa importância para o estudo, daqueles que propõem os cursos nas faculdades, os “estrategistas” da educação que muitas vezes visam formar “curadores de arte” e não artistas, ou então reduzem ao máximo o trabalho manual dos estudantes a fim de conter custos e aumentarem seus lucros. Não se trata apenas do desconhecimento sobre o que fazemos nós, modelos vivos, em suas instituições de ensino em cursos como os de artes plásticas, arquitetura, fotografia, design e moda, não é só isso. As justificativas dadas são sempre as mais óbvias, como diminuição de budget (?), menor participação dos alunos (?) e novas diretrizes do “moderno” ensino de arte (!!! Talvez a única verdadeira!!!).

Considerando que o gasto de uma instituição de ensino com seu material humano (professores, coordenadores e demais recursos envolvidos, incluindo nós modelos) é planejado anual ou semestralmente e, determinada a necessidade da existência das aulas de observação, este valor é certamente repassado às mensalidades finais pagas pelos alunos, e no caso das públicas, coberto pelas verbas estaduais/federais de ensino resultantes de nossos impostos, o motivo financeiro não se justifica.

Sobre a questão da participação do aluno, diminuir a quantidade de aulas ou a existência delas por que eles não conseguem acompanhá-las é realmente um assunto crítico, pois não se pode comprometer a qualidade do ensino e consequente incapacitação de profissionais por que uma determinada quantia de pessoas não está apta a acompanhar as aulas. Não é essa a função do ensino? A de ensiná-las e prepará-las? Se todos já soubessem fazer, não seria preciso aprender!
Que moradias estaremos habitando futuramente, por exemplo, se nossos futuros arquitetos não souberem compreender a máxima do corpo humano, representando-a de forma coerente, proporcional e coesa com o que precisamos?

Que tipos de cadeiras ou sofás, outro exemplo, estarão comprometendo nossa postura e saúde enquanto sentarmos por aí nos móveis futuramente projetados por estes novos designers que sequer tiveram uma aula de observação da figura humana, para poder entender sua estrutura e criar objetos que sejam condizentes com a realidade do corpo?
Quais outros padrões de beleza serão replicados para massificar a vestimenta das pessoas, se os futuros estilistas de moda não souberem mais desenhar o corpo, pois não tiveram uma aula sequer de desenho conosco? Que roupas estarão criando? Para vestir quem? Seus modelos predeterminados pelas regras da moda? Que tamanhos de vestimentas saberão construir? Os dos padrões P, M, G?? Como criarão “roupas sustentáveis” se não pararam um dia sequer para observar com atenção o seu principal cliente: o ser humano? Sem falar nas decorrentes consequências da replicação de padrões que sequer imaginamos, como por exemplo, os transtornos alimentares e cirúrgicos que muitas mulheres sofrem simplesmente por não “se adequarem” aos atuais padrões de tamanhos replicados na moda.

Claro que tudo isso é uma exaltação de consequências generalizadas, mas são consequências de um ensino de arte desqualificado. Também não quero aqui estacar a bandeira “viva modelo vivo” por que não é brincadeira este assunto, mas quero apenas que as pessoas que ainda estiverem lendo este texto se atentem para a importância de nosso ofício e promovam e cobrem das instituições a existência de aulas de observação com modelos vivos profissionais.

Voltando às justificativas comumente dadas, talvez a única que se adeque à realidade é a das diretrizes novas do ensino da Arte. Vê-se hoje em dia menos “mão na massa”, menos aulas práticas, menos gente pendurada nas salas de aula fazendo arte e muito mais pessoas debruçadas nos computadores, adquirindo conceitos para a produção de uma arte apenas conceitual. Desta forma, como caminha, é só arte conceitual que conseguirão fazer. Não sei sinceramente o que é pior, risos, se sentar na tal cadeira do futuro fodendo minha coluna ou então ter de visitar virtualmente, provavelmente mal acomodado num sofá daqueles, as exposições de arte conceitual. Não é tão difícil prever.


Se o intuito dessas novas estratégias é o de “fabricar” artistas que só pensam, e não realizam, seus conceitos, o que teremos como matéria? O que teremos como obra? Curadoria artística não existe sem artistas e muito menos sem suas obras. Vamos consumir o que da arte? Replicações constantes? Releituras de rereleituras? Socorro!!!! Talvez seja preciso, que nós consumidores do ensino, exijamos e pratiquemos a tal qualidade para não abandonarmos o barco que aportamos quando decidimos ser artistas.

Aproveitando a metáfora do barco, assumo aqui minha parcela de culpa nesta diminuição de oportunidades de trabalho, não como modelo, pois acredito na minha capacitação artística e no trabalho que desenvolvo, nem como Juliano, mas unicamente por fazer parte de uma pequena (quase microscópica) parcela de pessoas que expõe a própria nudez para que tenhamos artistas mais capazes. Se não temos mais tantas oportunidades de trabalho assim como antigamente, nem tão antigamente assim, é também culpa nossa.

Culpa dos modelos que infelizmente acham que realmente é só ficarem pelados e parados “ganhando seu troco”, que não são capazes de propor nada além de sua peladice, que não promovem a mediação entre o que pensam, o que sentem, o que acham do mundo, o que esperam dele e a arte que os alunos/artistas estão ali para fazer.
Culpa de nós modelos que não chegamos no horário marcado, ou por que o trânsito engarrafou ou por que o ônibus quebrou, culpa de nós modelos que atrasamos uma aula e deixamos cinquenta, as vezes sessenta, pessoas nos esperando (já vi acontecer de 380 alunos esperarem ao mesmo tempo o modelo atrasado chegar), culpa de nós modelos que chegamos “esbaforidos” da correria do dia a dia para posar nas aulas sem o menor preparo do que dizer com o corpo ou do que propor aos observadores.

Se a quantidade de aulas vem diminuindo, é também culpa nossa que não fizemos até hoje dessas aulas as melhores aulas da vida destes alunos. Culpa nossa por não praticar o respeito para merecermos ser respeitados, culpa nossa por chegarmos sempre com a mesma cara cansada e sem nenhuma proposta de inovação à aula, por simplesmente tirarmos a roupa e nos apoiarmos na imobilidade, vestindo-nos do “eu tô fazendo a minha parte e basta”. Culpa nossa por não insistir no uso de uma música qualquer, por exemplo, para melhorar a aula e fazer com que os alunos se desprendam mais facilmente dos medos da nudez e foquem na observação. Culpa nossa por não estudarmos diferentes formas de dizer as coisas com nosso corpo, e sempre nos colocarmos naquela postura “meia boca” do contraposto “davinciano”.

É culpa nossa por não trabalharmos de forma atualizada e em sintonia com a realidade de hoje, para propormos algumas quebras e melhoras. É nossa culpa não conseguirmos fazer com que as aulas de modelo vivo sejam tão desejadas que não se possa pensar num curso de arte qualquer sem a existência delas.

É por isso que escrevo para que, não só os alunos e estudantes de arte, mas também os professores e principalmente os próprios modelos que se propõem ao trabalho possam refletir sobre COMO estamos fazendo este trabalho.
Ele tem sido diferente a cada dia? Ele tem sido inesquecível a cada momento? Ele tem modificado a forma de ver das pessoas? Se a resposta for não para qualquer uma destas questões, então ele não está sendo feito direito. E se assim for, mude de postura ou de profissão, para que possamos recuperar o exercício da importância deste ofício.
 *** Fotos das aulas costumeiras e ainda existentes, ministradas sempre com tanta maestria pelo professor Feres Khoury, no curso de Arquitetura da USP.




terça-feira, 17 de junho de 2014

Pelados

Nus e pelados, qual a diferença?
Pelado adj (particípio do verbo pelar): A que se tirou a pele ou o pelo, sem pelo; pobre, sem dinheiro.
Nu  adj (lat nudu): Despido; descoberto; desfolhado; desguarnecido; desarmado; sincero, não vestido.

Self Naked / Pelado
Costumo dizer que ficamos pelados em casa, no banho, no sexo, na sauna, às vezes em praias, outras em piscinas. Costumo dizer que meus amigos ficam pelados, meus parentes ficam pelados, os alunos ficam pelados, os professores também ficam pelados. Nós modelos vivos nunca ficamos pelados enquanto nos apresentamos. Ficamos nus.

“Estar pelado” é uma expressão que carrega pré-conceitos e significados que não correspondem com o ato de posar nu. Depois de muito tempo mal usada, a palavra pelado se tornou pejorativa e dá um contexto menor ao despir. Estar pelado é estar passivo, é estar sem algo, é estar numa posição erroneamente cheia de julgamentos e alvo de determinações de valor (menor, errado, vergonhoso, sexual, generalizado, descuidado, miserável, necessitado). Definitivamente a Arte não é feita com pessoas peladas, quando se observa o modelo.

Foto: Danton Nunes
Foto: Danton Nunes
Estar nu coincide com o ofício, pois nele nos descobrimos de padrões para propormos identificações reais, novas e humanas, para propormos questionamentos e ressignificações de tudo o que é hermético, fechado, vestido e padronizado.
Ficamos nus para que a observação recaia sobre o corpo e para que as infinitas consequências dela contaminem o espectador, sem a interferência das relações que a palavra “pelado” provoca.

Estar nu, enquanto Modelos Vivos, é ser ativo e propositor de mediações e alterações. É estar sempre com algo a ser dito, a ser mostrado através do corpo. É colocar-se não em uma, mas em infinitas posições de julgamentos, porém os julgamentos que se referem aos arbitramentos, às decisões, às opiniões, às apreciações e deliberações.

As determinações que acontecem, são na sua grande maioria de altíssimo valor cultural, artístico e estético, abrangentes, sempre respeitosas, plenas do erotismo e da paixão que a arte necessita, particulares e singulares, compostas por um cuidado quase obsessivo, repletas de riquezas intelectuais, visuais e cognitivas e sempre muito abastadas e recheadas de conteúdo. Para realizar a arte de ser um modelo nu observado, é necessário estar com todas as peles presentes, como disse uma amiga outro dia, “mais vivas e presentes do que nunca”, por isso, jamais pelados. Dúvidas? Revejam as imagens e encontrem as diferenças.

E você? Como fica? Nós Modelos Vivos ficamos NUS.

Foto: Danton Nunes

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ganhando Um Troco

Foto: Eugenio Lorainev
Outro dia, enquanto posava e curtia minha “imobilidade ilusória” (falarei sobre isso mais pra frente), meus ouvidos captaram um comentário ao longe. Uaawww, adoro quando isso acontece! Risos, acho mesmo que a ilusão da imobilidade toma conta das pessoas enquanto nos observam, pois algumas delas realmente acham que sequer ouvimos. Bom, voltando ao comentário que bateu latejante em meu ombro, que estava ali a observar a sala toda e passava agora a expressar seu espanto com o que ouvia, ficou nítido o quanto nosso corpo é influenciado pelo espaço e pelo que ocorre nele.
Um rapaz, de aproximadamente 25 anos, dizia ao professor que se interessava pela ideia de posar “pelado” para ganhar um troco, já que a sua dívida na lanchonete da faculdade estava aumentando. Isso, isso mesmo, riam e riam muito se puder, pois eu aqui agora escrevendo e relembrando o que tinha ouvido, também estou a morrer de rir. Enfim, para piorar ainda mais a situação da estátua surda, o professor o responde dizendo que seria primeiro preciso ele experimentar o trabalho sem cobrar nada, em algum ateliê particular de pintura, para depois então passar a ganhar uns trocos por ele.
Vamos por partes: O interesse pela atividade é muito comum, primeiramente por suscitar um ganho fácil de muito dinheiro e também por parecer que qualquer pessoa é capaz de realizá-la, sem ter de fazer nada. Para este tipo de pensar já respondo que não, não se ganha muito dinheiro com esta profissão. Infelizmente ela ainda não é vista como tal, como deveria, e muito menos valorizada por isso. Estima-se, ainda arcaicamente, que tirar a roupa e se mostrar para as pessoas é algo que  se faz por que não se faz outra coisa. Sendo assim, na “falta de” paga-se o quanto puder para aquele que “nada tem a fazer”. Este conceito, infelizmente, ainda reina. E claro, pela mudança dele é que também trabalho.

O pagamento pela exposição do corpo é muito relativo. Se o modelo realmente só está ali para mostrar sua pele, também acho que deva ganhar o equivalente à sua intenção, mas se há uma proposta um pouco mais inteira, o valor que é feito, é feito sempre com a determinante de um juízo relativo (que erroneamente depende de tempo, quantidade e/ou dificuldade de poses, quantidade de alunos ou artistas presentes, lugar onde se está acontecendo a sessão, entre vários outros). Tudo numa tentativa de justificar a existência do modelo naquela situação. Há ainda os que pensam “mas ele não está a fazer nada, então por que pagar tanto?”. Por isso e por tantos outros motivos, ainda se ganha pouco por um trabalho desses. E, como vemos no exemplo em que meu ombro ouviu, há pessoas que o fazem de graça, para se iniciarem na “ganhação de trocos” e, sendo assim, os clientes podem sempre se valer de iniciantes para não terem que pagar nada, ou então escolherem modelos que o fazem por tão pouco, pois realmente não farão nada, já que não sabem o que fazer.

Digo que erroneamente depende de alguns fatores por que não cobro por mostrar o ombro assim ou assado, ou por mostrar o bumbum nu ou vestido, ou ainda por mostrar-me nu em pé, sentado ou apoiado sofrendo mais, ou menos, pela exposição. Não. Cobro é pela exposição e coparticipação de tudo o que meu corpo e eu propomos numa performance, para que as pessoas observem e aprendam/exercitem algo com isso. Fatores como tempo, local e propósito, muitas vezes podem e devem influenciar o custo, porém não são determinantes, já que o que deve ser considerada é a possibilidade de se observar, tão atentamente, um ser humano que está ali completamente disponível com tudo o que é e tem para ser observado. 
Foto: Eugenio Lorainev

Vejo, nestes anos todos, inúmeras pessoas se aventurarem no trabalho peladístico. Ou por quererem ganhar o tal troco, ou por estarem sem fazer nada e não se importarem com sua peladice, ou pelo fetiche da nudez própria aos voyeristas, ou ainda por acharem tão exótico tal trabalho. Porém também vejo, nestes mesmos anos, estas pessoas não passarem de suas segundas ou terceiras sessões de trabalho. E isso, é claro, por que atenderam seu propósito em poucas tentativas, e também por que não se sustentam como profissionais e os próprios clientes, mais dia menos dia, percebem que não estão contribuindo muito, aí então, trocam o biotipo.

Experimentar este trabalho, sem cobrar nada, para adquirir alguma experiência e então depois disso passar a ganhar, é uma prática que desvaloriza o ofício de quem o exerce com profissionalismo. Deprecia o trabalho de quem se prepara tanto, física e intelectualmente, para exercê-lo. Perpetua o errado conceito sobre a nudez artística. Empobrece os desenhos e resultados artísticos advindos de sua observação. Tira oportunidades de trabalhos daqueles que são profissionais no que fazem. Generaliza o despreparo e descontinuísmo destes modelos aventureiros, prejudicando a credibilidade do próprio ofício. Bloqueiam as possibilidades de valorização dos cachês pagos a profissionais. E aqueles que “cobram menos”, no início de suas tentativas, desconsideram a ética e depreciam também o trabalho realizado por profissionais.

É necessário que, quando há o interesse por esta atividade e que não seja superficial, a pessoa entenda que precisará ter o que expressar com sua nudez e que ela não seja o propósito do trabalho. A nudez é o que transporta suas intenções, seus propósitos, sua expressão, seu conteúdo. Então a pessoa há que buscar este conteúdo, estudá-lo para propor interações, se informar e se preparar, testando ou exercitando a prática em casa, sozinha, diante do espelho que seja. E depois de muito preparo, encontrar alguém que tope o desafio de observá-la. Aos aventureiros de plantão: pensem que profissionais perdem com suas tentativas sem fundamento, que o próprio ofício e a Arte se prejudicam. E, acreditem, desta forma não conseguirão quitar por muito tempo suas dívidas em lanchonetes.
Foto: Eugenio Lorainev
Foto: Eugenio Lorainev
De volta à pose, o ombro que a princípio compunha uma imagem de altruísmo proposta por mim, passou a ser lido por olhos influenciados pela falta de conteúdo do comentário infeliz do aluno. E consequentemente, o aproveitamento daquela observação foi prejudicado. Minha pose passou a gerar interpretações da compaixão, ao invés da solidariedade proposta no início. É por isso que é tão importante a compreensão do que, como e para que fazemos as coisas. E definitivamente não fazemos este trabalho para compor nosso orçamento, “ganhando um troco” enquanto não temos outra coisa para fazer, como muitos pensam, pois se assim é feito, assim é muito mal feito e não perdurará!
Foto: Eugenio Lorainev